Thursday, January 15, 2015

Thursday, February 18, 2010

17.

Café
com leite

Pão
com manteiga

Amor
com tudo

Amor
com nada

"E eu em jejum enfartado."
16.

No Inverno da minha alma
pássaros escondidos com penas de fora


No inverno de todas as penas
pássaros à solta
desalmados

São assim as almas: esvoaçam.
São assim as penas: invernosas.

"Está frio, caramba!"

Sunday, May 10, 2009

15.


Já carpi, já queixei, já contaminei, já remoí, já sofri e fiz sofrer. Chegou a altura de me resignar, *positivamente* resignar-me e consolar-me dignamente: palavra a palavra, sopro a sopro a plenos ou médios pulmões, mas a alma inteira. Sopro a sopro, palavra a palavra, gesto a gesto e, porque não, sorriso a riso e de novo a sorriso aligeirado, exalando o hálito sereno e fresco da minha alma.

Friday, May 25, 2007

14

"Como se escrevesse só para uma pessoa."
Espreitou pelo olho direito, turvo, o que há-de ver.
"Ou escrevo só para mim... ou para ninguém."
Mirou atentamente e percebeu que o que há-de vir confunde-se com o que há-de ver num olho turvo.
De sobressalto, num sobressalto lembrou-se da necessidade de mitigar o desejo de viver mais.
"Refrear o desejo, matar a esperança, dominar o medo."
E é como se escrevesse só para uma pessoa. Só. Para mim. Para ninguém.
Suspirou. Soprou sobre si mesmo como se apagasse uma vela.
Anulou-se.
"Como se escrevesse."

Thursday, November 24, 2005

13.


A solidão que nos acompanha.
“Não se pode pensar mais nada sobre a solidão porque tudo já foi pensado. Mais nada pode ser dito porque já tudo foi dito.”
“Amas-me?”, ouviu num filme. “Sim, amo-te.”
Sentiu-se nu. Mais: sentiu-se escalado como peixe para secar, todo por/para fora, nada por/para dentro.
“Como voltar a mim mesmo se não sou refúgio? Quem me abriga?
Caramba! Já nem a solidão me acompanha.”
Vestiu o casaco para se resguardar do frio que lhe poisou nos ombros.

Tuesday, September 16, 2003

12.


Fotografias.
Fotografias antigas.
Tocou-as e deixou escorregar as mãos pelo papel duro. Mergulhou na tinta desbotada. Memória esbatida do passado.
“A tinta é presente, o papel, duro, é presente. Só a memória é passado.”
Pousou a fotografia no braço do sofá e passou a mão pela cabeça. Duas vezes. Como quem quer escorregar as mãos pela memória.
Os olhos humedeceram. Nostalgia.
“O papel. A tinta. O presente.”
Agarrou duas fotos. Quase as amarfanhou. Passou-as no scanner e viu-as no monitor.
Deixou escorregar, agora, os olhos no écran. Mergulhou na memória do passado, fugindo da tinta e do papel. Depressa sufocou.
“Que disparate! És um parvalhão! E já andas a repetir muitas vezes este insulto…”
O plástico e o vidro do monitor caíram-lhe em cima com o peso de mais de vinte e cinco anos.
Esmagaram-no.

Saturday, August 23, 2003

11.


Olho de peixe.
O olho de peixe olha o vazio.
“Olha-me.”
Olha. Negro. Morto.
No mercado.
Uns desalinhados, outros a monte, os peixes olham, focando o infinito, olham as notas e moedas que lhes passam por cima. As mãos tocam-se e o dinheiro passa.
Olhou o olho do peixe. Por detrás do olho, negro, está o peixe. Morto.
Uma criança chora. Perto. Olhou os olhos da menina.
“Os olhos dos peixes não choram. Ou choram?”
Afastou-se.
“Há qualquer coisa de sábio na escuridão dos olhos dos peixes. Mortos. Há uma luz…negra. Que sabem eles?”
Aproximou-se doutra banca.
“Vieram do mar. Há mar e mar, há ir e voltar… Que sabem eles da morte?”
Quis saber: olhou um olho de peixe. O olho do peixe.
“Vai-se. Mas da morte não se volta, palerma.”
De repente chegou um cheiro desagradável. Como um arrepio na nuca ressuscitou-lhe os sentidos.
“Queres experimentar a morte enquanto ainda experimentas a vida… És um parvalhão!”
Foi-se embora.